
- Nº 1882 (2009/12/23)
Varrer a casa<br>enquanto o Papa não vem...
Argumentos
Os bispos portugueses afadigam-se em preparativos. Antes que «ele» chegue, é preciso varrer, limpar e arrumar a casa episcopal. Tarefa dura que não se faz do pé para a mão. Porque a casa está em obras e os operários são obedientes mas poucos são. Logo se verá se o tempo chega para tantas arrumações na velha casa.
O que mais custa a retocar é sem dúvida o desemprego. Mais fácil seria passar por entre dois pingos de chuva do que encontrar maneira de pegar neste problema e agradar a gregos e troianos, trabalhadores e patrões, famílias desamparadas e milionários, juventudes sem fé e sem futuro. Quem dera que o Papa viesse e o milagre acontecesse... Mas Fátima dificilmente se repetirá!
A par dos números do desemprego, cresce o escândalo da corrupção, cava-se mais fundo o fosso entre pobres e ricos e os políticos (uns desbocados!) desautorizam-se a si próprios com as suas piruetas de arlequins. É tudo isto que alarma os bispos e os faz entrar em situações de ansiedade. Como conciliar, em tão curto espaço, proveitos adquiridos e um necessário enquadramento da ética cristã ?
Os bispos já meteram mãos à obra. Apostam, sobretudo, na sua «sociedade civil», nos dinheiros que jorram dos canais do Estado e na tradição, por muitos esquecida, que descreve a Igreja como protectora dos pobres.
O galopar do tempo
Entretanto, os bispos filosofam: como tudo seria diferente se hoje fosse como há meses atrás... A Igreja vivia santamente com Sócrates, como em «lua de mel». Não era necessário escolher as palavras para criar na plebe a imagem de um país dinâmico, livre, integrado na Europa e confiante nos seus dirigentes e nas suas instituições. Os bispos bem sabiam que não era assim mas fechavam os olhos aos pecadilhos do poder.
Agora, tudo se corrompeu. Os portugueses não confiam no Governo, nas instituições privadas e estatais e perderam a fé. Habituaram-se a ler as estatísticas e sabem que tudo vai de mal a pior. Estão conscientes de que patinham na lama do dinheiro fácil e que os cerca uma corrente infindável de sucessivos escândalos sociais. Panorama, aliás, que não é só português mas sim comum a todo o mundo capitalista. Que será do dia de amanhã – reflectem os bispos – se os povos se revoltarem e «tomarem o freio nos dentes»?
Mas o Papa vem aí e é isso que conta. Embora, na própria Igreja, haja quem pense que esta visita pastoral comporta os seus riscos. Pois, não é Bento XVI o mentor das correntes mais fechadas do pensamento católico? E que dizer da vinda a um país pobre e em ruínas, como é Portugal, do chefe majestático de um Estado que é bem conhecido pelas suas intimidades com a banca mundial e com as grandes fortunas ? Que reacções desencadeará ?
Todas estas questões permitem compreender melhor por que razão os bispos portugueses estão a começar a violar a sua estratégia do silêncio e procuram recuperar a iniciativa e o uso da palavra. Declarou o Arcebispo de Braga: «É tempo de acordar para a luta e promoção do Bem Comum.» Em contraponto, afirmou o cardeal-patriarca: «A salvação do Homem é a expressão plena do Bem Comum... A Igreja Católica sempre esteve na primeira linha da luta contra a pobreza!»
Note-se que estas tomadas de posição «à esquerda» decorreram num momento muito delicado para o governo de Sócrates cuja máscara se vai degradando. A solicitude da Igreja católica - que não quer de modo algum agravar a situação em que os socialistas se afundaram - foi já ao ponto de silenciar perante a legalização dos casamentos gay, atitude verdadeiramente impensável em homens como D. José Policaro ou Joseph Ratzinger. E muito se começa a murmurar quanto à existência de um «pacto de não-agressão» entre o Governo e o Patriarcado.
Logo se verá! A visita a Portugal de Bento XVI é só em Maio. Até lá os bispos ficam sob atenta observação... Os bispos, o papa, a «sociedade civil» e as contrapartidas que, em silêncio, Governo e Igreja continuam a negociar entre si.
Jorge Messias